segunda-feira, 14 de junho de 2010

Justificativa e definição

Os processos cognitivos envolvidos no que chamamos resolução de problemas, estudados há já algum tempo no campo da Psicologia, têm despertado um interesse marcante entre os pesquisadores das áreas de Ciências e Matemática. Por um lado, isto é atribuído ao fato de que a resolução de problemas (R.P.), raciocínio e pensamento são atividades que se sobrepõem e fazem parte do “menu” destas disciplinas - “... R.P. pode ser vista como um elemento do pensamento, mas é provável que seja mais apropriadamente considerada como uma atividade de aprendizagem complexa que envolve pensamento”(Garrett, 1987, p. 127); por outro, o fracasso generalizado nesta tarefa, dentro do contexto educacional, reforça a necessidade de entendê-la melhor com o objetivo de reverter esta situação.

Definir o que se entende por problema pode dar margem a várias interpretações: um problema é um estado subjetivo da mente, pessoal para cada indivíduo, um desafio, uma situação não resolvida, cuja resposta não é imediata, que resulta em reflexão e uso de estratégias conceituais e procedimentais, provocando uma mudança nas estruturas mentais. Hayes (1980) definiu problema como a fenda que separa um estado presente de um estado almejado; Gil Pérez et al. (1988) consideram problema como uma situação para a qual não há soluções evidentes; já Perales (1993) considera-o uma situação qualquer que produz, de um lado, um certo grau de incerteza e, de outro, uma conduta em busca de uma solução.

De qualquer modo, falar em problema é considerar uma gama de situações que inclui desde simples quebra-cabeças, passando por problemas que enfrentamos no nosso cotidiano até problemas específicos envolvendo conhecimentos e/ou habilidades muito particulares.

No contexto em que está inserida esta revisão de literatura, a resolução de problemas será considerada, principalmente, uma atividade de papel e lápis, mas poderá também envolver atividades experimentais em ciências ou matemática, onde o sujeito terá oportunidade de, aplicando seus conhecimentos e procedimentos na busca de uma solução para a situação proposta, desenvolver a sua estrutura cognitiva. Na vida diária se resolve um problema para se obter um resultado; ao contrário, no contexto escolar o resultado importa menos do que a própria resolução (Dumas-Carré, 1987).

A maioria dos pesquisadores nesta área, vê a resolução de problemas como “um processo pelo qual o aprendiz descobre uma combinação de regras anteriormente aprendidas que ele pode aplicar para atingir uma solução para uma situação problemática nova” (Gagné, 1965). Este processo deve favorecer a aprendizagem significativa na medida em que propicia uma reorganização da informação e do conhecimento armazenado na estrutura cognitiva do sujeito (Novak, 1977).

Uma vez justificada a importância do tema escolhido e definido o que entendemos por resolução de problemas, podemos passar à revisão propriamente dita.
Artigos

Encontramos 31 artigos sobre resolução de problemas focalizando a questão novato/especialista. Tais artigos estão referenciados ao final e condensados na tabela 1 em termos de autores/conteúdo, base teórica, método/sujeitos e resultados. A questão foco é sempre a mesma: diferenças entre novatos e especialistas na resolução de problemas . Como a tabela é auto-explicativa, resta ver se a partir dela é possível identificar regularidades, coisas em comum nesses artigos, tanto no que se refere ao domínio conceitual como ao metodológico.
Regularidades

• No domínio conceitual das pesquisas feitas, apenas três delas não tinham por detrás um modelo de processamento da informação (Newell e Simon, 1972; Anderson, 1983). Ainda assim, dois desses três trabalhos estiveram baseados na teoria de aprendizagem de Ausubel (1980) que tem muito de processamento de informação. O terceiro estudo era de base piagetiana.

• Em termos de metodologia de pesquisa, a técnica mais usada foi a análise de protocolos verbais. Esta técnica consiste na verbalização do processo de resolução de problemas, o que permite obter informações sobre as estratégias e os conteúdos empregados. Em menor escala, foram usados testes de associação de palavras e programas de computador. • Física (18 artigos), Genética (8), Química (4) e Ciências (1) foram os conteúdos enfocados nas pesquisas.

• No que se refere aos resultados de pesquisa, em princípio foram confirmados os modelos de Larkin (1979; 1981) e de Chi, Feltovich e Glaser (1981), segundo os quais a aquisição de habilidades em R.P. (em domínios formais, como a Física) pode ser entendida pelo modelo de Sistemas de Produção. Estes sistemas, implementados computacionalmente, aprendem por enriquecimento de princípios abstratos enquanto trabalham numa sucessão de problemas. Sempre que um princípio é aplicado com êxito, o mecanismo de aprendizagem armazena na memória uma produção com uma condição indicando a situação para a qual o princípio foi aplicado e uma ação para acrescentar na representação do problema o conhecimento que pode ser gerado por aquele princípio.

Assim, o sistema inicialmente procura princípios através de estratégias fracas (e.g., análise de meio-e-fim) e recupera princípios de forma geral que devem ser interpretados para o contexto do problema. À medida que o modelo se aperfeiçoa através da prática, seu comportamento fica dominado pela informação específica que ele aprendeu e a nova informação é automaticamente adicionada com bases em padrões reconhecidos de informações presentes no problema.

• De um modo geral, os comportamentos de novatos e especialistas na resolução de problemas foram diferenciados quanto à maneira como os conceitos e princípios são armazenados e recuperados na memória de longo-prazo, bem como quanto ao estoque de estratégias utilizáveis pelos sujeitos em função de seu conhecimento e experiência (prática). Por conseguinte, fica implícito o papel relevante do conteúdo e do contexto na execução da tarefa de resolução de problemas.

Esta constatação corrobora o que diz Pozo (1994) ao afirmar que a melhor eficácia dos procedimentos técnicos e estratégicos empregados por especialistas está sujeita a maior base de conhecimentos específicos de domínio que eles têm (p. 41).
Conclusão

As diferenças observadas nesta revisão de literatura entre novatos e especialistas, quando executam tarefas de resolução de problemas, possivelmente constituem uma fonte de informações relevantes no sentido de tentar esclarecer como o conhecimento é organizado na estrutura cognitiva do indivíduo e de que forma ele é utilizado.

A importância deste esclarecimento para a pesquisa em ensino de Ciências pode ser muito grande uma vez que representa um significativo passo na tentativa de responder a outras questões como “É possível ensinar a resolver problemas? O que um novato precisa para tornar-se um especialista? Até que ponto o conteúdo e o contexto interferem ou influenciam na tarefa de resolução de problemas?”

Para o professor, especialmente, oportuniza uma reflexão para a sua proposta de trabalho em sala de aula, permitindo um questionamento se a atividade de resolução de problemas que proporciona a seus alunos é compatível com o objetivo de promover com eficácia o desenvolvimento de suas estruturas cognitivas.
TABELA 1
Trabalhos que relacionam/diferenciam a tarefa de R.P. feita por novatos e especialistas

* Os trabalhos assinalados com asterisco nesta tabela não estavam diretamente acessíveis no momento da pesquisa. Por isso, não foi possível identificar de maneira direta o(s) método/sujeitos. Contudo, foram incluídos na tabela por terem sido citados em vários dos artigos efetivamente analisados.

** Os trabalhos assinalados com dois asteriscos nesta tabela citam outros que se utilizam de resultados da ciência cognitiva, especialmente a metáfora da mente como um sistema de processamento de informação. Como não é explícito o engajamento dos autores nesta teoria, parece ser esta a sua base teórica.

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