domingo, 24 de julho de 2011

Homossexualidade: Opção ou Orientação?

Lembro-me de que, desde muito cedo, achava vagamente estranho quando ouvia alguém falar da sexualidade de outrem, fazendo menção à “opção sexual”: “fulano é assim, problema dele, opção sexual de cada um, não é da conta de ninguém”; “isso é safadeza, é opção, ele escolheu ser assim!”…

À época, embora ainda não tivesse acesso a ensaios, estudos, opiniões de gente especializada em comportamento ou sexualidade, reservava uma impressão não muito nítida, mas já bastante forte, de que ser hetero ou homossexual estava tão distante do arbítrio de cada um como nascer de olhos azuis ou castanhos…a mim, mesmo quando criança, sexualidade jamais pareceu uma questão de preferência.
Bem, a impressão, que durante a infância e adolescência era ainda embaçada (em parte pela absoluta falta de interesse, curiosidade, de refletir ou conhecer mais sobre a questão) – mas suficientemente robusta para que nunca fizesse acepção de amizades ou até mesmo juízo de valores pautado no critério de sexualidade – na idade adulta não perdeu força (aliás, deu-se precisamente o contrário) e, por outro lado, tornou-se límpida, cristalina, da mais absoluta clarividência. Hoje, embora não seja gabaritado a discorrer na condição de especialista, sobre genética, fisiologia, psicologia, antropologia, ou sejam lá quantas outras áreas do conhecimento relacionadas à sexualidade, posso declinar modestamente minha opinião, pautada na experiência que os anos trazem a quem já passou dos trinta, e na leitura esparsa de algumas proeminências das citadas áreas, de que sexualidade não é opção (tanto quanto o é preferir azul a verde, ou gostar de bife e não de salada); sexualidade não é transmissível pelo contato; sexualidade e promiscuidade são duas coisas mui distintas entre si, e esta última pode ou não ser associada, independentemente, a quaisquer das modalidades daquela outra, quais sejam: heterossexualidade, homossexualidade, bi-sexualidade, e quantas mais existirem…
Possivelmente, a invencível desconfiança que, lá na infância, não demorou muito a se transformar em pétrea certeza (bem verdade que de contornos ainda não muito claros, como antes afirmado neste texto) de que ninguém escolhia ser hetero ou homossexual, se devia ao fato de que já então não enxergava esse pormenor como valor a distinguir uma pessoa por virtude ou defeito; ou uma companhia como agradável ou desagradável. A mim, o dito pormenor nunca passou disto: justamente uma peculiaridade. Peculiaridade esta que, no mais das vezes, passaria mesmo despercebida, não fosse o fato de, enquanto ser social, viver inserido no contexto de uma comunidade cujos valores eram (e ainda são) em proporção surpreendente para os dias de hoje, eivados de estereótipos comportamentais e de certezas pré-concebidas pelo que se supõe seja o “senso comum”. Então, quando garoto, achava muito normal um vizinho generosamente buscar-me na escola, quando minha mãe não podia fazê-lo. Era um amigo da família, que me tratava como um parente, um sobrinho, talvez. Depois de me aguardar no portão ao fim das aulas (e eventualmente me salvar da ameaça de uma coça, resultado dos conflitos comuns entre garotos de turmas diferentes nessa época da vida), punha a mesa do lanche e ligava a TV no meu seriado favorito até que minha mãe retornasse. Lembro-me que eu o via como uma tia (uma tia de cabelo curto), daquelas bacanas, de cuja convivência temos saudades, e em relação às quais, as atribulações do dia a dia nos impingem uma distância dorida, que então vivemos a prometer encurtar…Mas conquanto nunca enxergasse diferença entre esse vizinho e as tias prediletas, mais tarde, já adolescente, lembro-me de um grande ponto de interrogação nas idéias ao avistar um sujeito enorme, musculoso, com chapéu, blusa e sapato…de mulher. E isto porque, naturalmente, minha circunvizinhança “gritava” que a indumentária era típica de sexo feminino – com o que estava, claro, habituado. Apenas não havia me acostumado a associar aquilo com portes físicos como o do sujeito.
Hoje habituei-me a ver quase tudo, em se tratando de comportamentos associados à sexualidade. Mas nem antes, nem agora, entendo que tais nuances abonem ou desabonem um indivíduo para pleno convívio em sociedade – e isso significa, em paridade de direitos e deveres. Eu não consigo compreender a ilação que, a julgar pela forma como a questão é tratada, ao menos aqui no Brasil, conforme seja, um tabu, se faz entre sexualidade e moralidade. Assim como o mestre do Cosme Velho, “não hei de transmitir a ninguém o legado de nossa miséria”. E uma das razões pelas quais estou decidido a isso, é não querer ver um filho crescendo num mundo em que alguns mancebos bem aquinhoados de Ipanema sintam-se ultrajados, e, supostamente agindo em nome dos idosos, pais e crianças presentes na orla (justificativa apresentada por eles) arremetam selvagemente contra dois jovens rapazes beijando-se na areia, agredindo-os como a desempenhar uma boa ação ou um gesto cívico. A troca de carícias ser ou não, socialmente aceita, ou adequada, para o ambiente e horário, constitui discussão à parte (seria o caso, aliás, de não se admitir também que casais heteros fizessem o mesmo). Mas associar o beijo homossexual, em si, à imoralidade (ou heresia, como querem alguns), em plena alvorada do séc XXI, é medieval demais para mim.
Uma outra questão, relativa à homossexualidade, muito em voga atualmente, é a da adoção de crianças por casais formados por indivíduos do mesmo sexo. Quem me leu até aqui já deve prever minha opinião: sim, evidentemente também fico estupefato a cada notícia que chega a meu conhecimento, de pessoas que preferem que crianças jazam esquecidas em orfanatos, ou entregues a irresponsáveis que só têm a oferecê-las um horizonte de dor, exploração e miséria, do que vê-las recebidas num lar formado por casal homossexual. Via de regra alega-se que a sexualidade dos pais há de influir na sexualidade dos filhos, o que não seria “saudável” (???) para a criança…não é preciso ser douto em genética ou psicologia para atestar que esse argumento é, sobretudo, uma falácia. Eu cansei de ver homossexuais criados por pais, e entre irmãos, todos heterossexuais. Também conheci de perto alguns heterossexuais, criados por homossexuais. Eu mesmo sempre convivi com homossexuais, e isto jamais teve qualquer influência na minha orientação (por acaso) heterossexual.
Uma outra questão bastante discutida, no tocante ao tema, é a denominada “Lei contra a Homofobia”. Alguns, notadamente os líderes religiosos, falam em “Ditadura do Homossexualismo”, chamando a atenção para o perigo de “supressão do direito à liberdade de expressão”. Menos. Não se pode atribuir a pecha de “Opressor” a um grupo tradicionalmente discriminado sob os epítetos mais aviltantes, e que procura, pela via democrática (se é que a que temos por aqui pode ser realmente classificada como tal, na sua essência), aquilo que todos os demais grupos procuram, da mesma e legítima forma: a defesa dos seus interesses. Eu entendo que o PLC 122/2006 traz excessos (ou lacunas). Talvez, visando a questão por outro prisma, o texto da lei mereça uns ajustes, uma sintonia fina, como no espaço em que os pastores evangélicos não cansam de apontar a brecha para o alastramento da “perseguição religiosa”: entendo que em se tratando de religião, um pastor, nos limites do âmbito religioso, deve ser livre para se pronunciar contra a união homo-afetiva, e mesmo contra a homossexualidade, por mais estranho que isto pareça a pessoas como eu. Por conseguinte, pode naturalmente recusar-se a casar dois homossexuais. O que não pode, é o Estado não reconhecer união homossexual nos seus desdobramentos pertinentes a sucessões e extensão de benefícios sociais, por exemplo. Por outro lado, entendo que o pastor não deve, dentro ou fora do campo religioso, procurar impedir a celebração de uniões homo-afetivas em outras instituições religiosas que se prestem a fazê-lo.

Poder-se-ia afirmar, como líderes de bancadas religiosas normalmente o fazem, que já existem leis gerais que contemplam a segurança da integridade física e moral de cidadãos brasileiros, sendo desnecessário, portanto a instituição de uma nova “casta” de brasileiros especiais. Bem, isso, em tese, é não apenas muito bonito, como flagrantemente prático. Mas aí também seria o mesmo que considerar que a Lei Maria da Penha haja criado uma casta de “cidadãos especiais”, a saber, as mulheres brasileiras, frequentemente humilhadas, covardemente maltratadas, e não raro mortas com requintes de crueldade pelos respectivos companheiros. Isto, quando todos aplaudem os resultados sensíveis da vigência da lei, e nenhum dos arvorados paladinos da virtude tenha levantado uma única vez, a vozinha tíbia, pusilânime, para atacar o referido texto. O mesmo pode-se dizer da lei contra a discriminação racial, ou dos direitos da criança e do adolescente.
Enfim, há uma serie de mitos ligados à homossexualidade, como a propalada “devassidão” associada à orientação. Na verdade, homossexuais, assim como os heteros, tem lá suas predileções e, naturalmente, o senso de conveniência na mesma medida de qualquer um – ou seja, esta última propriedade não é função da sexualidade, havendo convenientes e inconvenientes de todos os gêneros. Eu mesmo já estive em ambientes freqüentados majoritariamente por homossexuais, e jamais recebi sequer uma cantada neste lugares. Ao passo que já posso contar algumas investidas – umas mais, outras menos inconvenientes – em ambientes insuspeitos, freqüentados “tipicamente” por heterossexuais…
Bem, de minha parte preferia que não houvesse tanto sectarismo, que as pessoas se misturassem mais, enxergassem através do véu do gênero, da cor da tez, da religião, das agremiações de futebol, para além destas peculiaridades, e alcançassem a generosidade, a tolerância, a compaixão, a vontade e o empenho em aprender, o cuidado com os mais desvalidos, a responsabilidade em cada um. Um mundo menos agressivo, menos reacionário, mais livre para as pequenas coisas que fazem a alegria da vida, como uma mesa de café ou de chope dividida por amigos com as mais diferentes características.
Ao que tudo me faz crer, esse cenário, se não é um delírio, fatalmente está longe de evoluir de quimera para realidade tangível. A me acalentar apenas a certeza de que não estou só – há pouco tempo, um amigo, comparando-me a outro, de suas relações, observou: “você é igual fulano: tem um monte de amigo gay”; eu respondi: “ué…sabe que não tinha parado para pensar nisso?!”…Mas logo lembrei por que nunca pensara naquilo. É porque a mim sempre fora óbvio o fato de que não tinha amigos gays. Tinha amigos. De igual modo, nunca tive amigos católicos, espíritas, judeus, muçulmanos ou ateus; nunca tive amigos negros, mulatos ou brancos; liberais ou socialistas. Sempre tive amigos. Amigos de cujas relações muito me orgulho, e que são parte significativa da minha alegria de viver.

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