sábado, 28 de maio de 2011

Brasil investe para dominar processamento de urânio

Ministro Edison Lobão: “As reservas de urânio do Brasil são estimadas em US$ 100 bilhões, é um pré-sal de energia, sem as dificuldades do fundo do mar”
O governo vai investir R$ 3 bilhões na construção de duas fábricas para realizar no país 100% do processo de geração de combustível de urânio, matéria-prima das usinas nucleares. Dono de uma das maiores jazidas de urânio do mundo, o Brasil só executa hoje a etapa inicial desse processo – que é a extração do minério no solo – e parte das etapas finais, que envolvem o enriquecimento e a transformação do urânio em cápsulas de combustível. Falta dominar uma fase intermediária ligada à conversão do minério em gás, condição crucial para que ele seja enriquecido. Hoje esse trabalho é enviado para empresas do Canadá e da França.
“Vamos tocar esses projetos. A estimativa é de que nossas reservas de urânio sejam de 1,1 milhão de toneladas. Com uma reserva tão grande como essa, temos que desenvolver essas etapas de tratamento e enriquecimento no país”, disse ao Valor o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.
Hoje o país já realiza uma etapa de enriquecimento em uma fábrica de Iperó, no interior de São Paulo. A estrutura, no entanto, só consegue atender 14% da demanda de enriquecimento da usina de Angra 1, segundo Alfredo Tranjan Filho, presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). “O tratamento dos demais 86% de combustível de Angra 1 é feito fora do país, além de 100% do que é utilizado por Angra 2″, disse Tranjan.
Com o investimento nas fábricas, previsto para ocorrer ao longo de oito anos, a INB calcula que o país terá capacidade plena de atender as demandas de urânio de Angra 1 e 2 – atualmente as únicas usinas nucleares do país em operação – e Angra 3, que deve começar a operar comercialmente em 2015.
“As reservas de urânio do Brasil são estimadas em US$ 100 bilhões, é um pré-sal de energia, sem as dificuldades do fundo do mar”, comentou Lobão.
A meta de fechar o ciclo de exploração e utilização do urânio faz parte de um grande pacote de iniciativas que o governo prepara para o setor de energia nuclear. O Palácio do Planalto está preocupado em ampliar a identificação e a exploração de novas jazidas, função que é monopólio da União. Para isso, vai mexer com o marco regulatório do setor, alterando regras de exploração mineral. Uma das mudanças prevê que, ao encontrarem jazidas de urânio, companhias que estejam explorando outros minérios informem imediatamente a União sobre o achado.
Hoje, segundo o ministro Edison Lobão, é comum a situação em que uma companhia que está explorando outros minérios, como o de ferro, por exemplo, não informe o governo sobre a descoberta de urânio, para que sua exploração não seja interditada pelo governo. “Com a nova regra, essa negligência será considerada crime”, disse Lobão. “Se a jazida de urânio encontrada for muito maior que o mineral explorado pela empresa, podemos pagar uma indenização para ela. De outra forma, poderemos também propor uma exploração em parceria.”
Atualmente, a exploração de minas de urânio no país é função exclusiva da INB. Uma única mina no país, localizada em Caetité (BA), está em atividade. Uma segunda mina em Santa Quitéria (CE) aguarda licenciamento ambiental e nuclear para iniciar as atividades. Segundo Lobão, o governo vai incentivar a entrada de empresas privadas no setor. Na mina de Santa Quitéria, onde há uma grande jazida de fosfato, foi fechada uma sociedade para exploração entre a INB e a empresa Galvani Mineração.
Calcula-se que existam 7 milhões de toneladas de urânio no planeta. Hoje, com uma reserva conhecida de 310 mil toneladas, o Brasil já ocupa a 6ª posição no ranking mundial de urânio, atrás de Mongólia, Estados Unidos, África do Sul, Canadá e Rússia. Se for confirmado o prognóstico de deter 1,1 milhão de toneladas do minério, o país seria alçado à condição de uma das maiores potências mundiais, com forte capacidade para exportação do urânio, inclusive, já beneficiado.
Para atender as usinas de Angra 1 e 2, a produção anual do país é de 400 toneladas de concentrado de urânio. A meta do governo é multiplicar esse volume por quase cinco vezes até 2015, chegando a 1.900 toneladas anuais, quando Angra 3 entrará em operação.
Essa retomada dos projetos ligados à energia nuclear também passa pela criação da Agência Reguladora Nuclear. O tema, segundo o ministro Edison Lobão, é uma das prioridades do Ministério de Minas e Energia e vem sendo analisado pela presidente Dilma Rousseff, que decidirá sob que guarda-chuva estará vinculada a nova agência.
Hoje, a fiscalização do setor fica a cargo da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. A autarquia, no entanto, é dona da INB, responsável pela mineração e beneficiamento do urânio e fabricação dos combustíveis, e pela Nuclep, empresa pública que fabrica equipamentos pesados de exploração. “Não há nada decidido sobre isso. De qualquer forma, vamos trabalhar de forma coordenada com o MCT quanto à definição das políticas do setor”, comentou Lobão.
Para Aquilino Senra, especialista no setor e vice-diretor da Coppe, pós-graduação de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o setor padece de uma gestão centralizada. “Naturalmente há conflito, se uma mesma instituição tem a função de regular o que desenvolve”, disse. “Há uma unanimidade quanto à criação de uma agência reguladora independente, isso já se discute há oito anos. Esperamos que agora realmente aconteça.”

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